sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Living Theatre

O Living Theatre é de um dos grupos teatrais de maior importância do século XX e XXI, sendo ainda capaz de grande impacto tanto por sua militância política como por suas pesquisas de vanguarda nas formas de encenação mundial. Confundindo teatro com a vida, o grupo teria/tem como objetivo a libertação política e a revolução de consciência através da arte. Fundado nos Estados Unidos da América após a segunda guerra mundial por Judith Malina e Julian Beck, contemporâneos da geração dos poetas beatnicks, em plena contra-cultura, The Living Theatre (O Teatro Vivo) trazia um conceito de revolução, sua preocupação não era o produto teatral como entretimento mas como reflexão da condição do indivíduo. Comprometidos ideologicamente, anarquistas e ativistas, atendendo o pedido dos artistas brasileiros José Celso Martinez Correa e Renato Borghi, vieram ao Brasil em plena ditadura de Emílio Garrastazu Médici, o que lhes acabou custando a detenção pelo Dops e a expulsão do Brasil. Já em seu início, o Living Theatre nadava contra a maré. Em Nova York, numa cultura de grandes espetáculos da Broadway, onde os investimentos se preocupavam com o sucesso de bilheteria, Judith Malina e Julian Beck fundam um teatro no seu pequeno apartamento no número 789 da West End Avenue. Sem a idéia de quarta parede o grupo rompendo com o convencional, apresentam uma série de textos poéticos e dramaturgias de Bertold Brecht e Garcia Lorca. O Living Theatre passou a ser um ponto de encontro de muitas atividades artísticas, ao seu redor se reuniam poetas, músicos, pintores, dramaturgos, críticos e mecenas. Sua proposta teatral reúne a comunidade artística, questionando e fomentando novos valores pautados a liberdade de pensamento, sexualidade e pacifismo Intervenções como o a Greve Geral pela Paz, pedindo o cessar de treinamentos antibombardeio, que o governo americano da década de 1960 submetia sua população e que os manifestantes consideravam um “terrorismo de Estado”, submetendo aos cidadãos ao um constante estado de medo e vigília. O grupo se mudou várias vezes de espaços, mas junto de si levavam a ideologia anti-capitalista, procurando realizar uma gestão coletiva, recebiam por bilheteria, o que as vezes era nada. Os atores moravam nos próprios teatros. Montavam espetáculos com apena 35 dólares (An evening of bohemian), realizando cenários com papel de embrulho colado e figurinos de trapos. Essa filosofia de entrega ao teatro como um estilo de vida se refletiria na trajetória do Living e seria reproduzida no Brasil, especialmente em Ouro Preto, onde alugariam uma pequena casa para suas atividades e nela viveriam numa forma comunitária e anarquista, dividindo recursos e obrigações, desenvolvendo atividades culturais na comunidade e assimilando a cultura. Nos Estados Unidos o Living vivenciou sua entrega a revolução cultural do pós-segunda guerra mundial com espetáculos e intervenções políticas que provocaram prisões e o exílio voluntário do país. A repercussão na mídia e no universo intelectual fomentava ainda mais o debate por eles proposto. Mas foi através de Paradise Now , em agosto de 1968, no Festival de Avignon, na França, que seu grito revolucionário ecoou mundialmente. O espetáculo, sem uso de figurino ou cenário, convidava a platéia a uma imersão junto do ator, num rito a barreira entre o ver e fazer teatral era quebrada. O espetáculo durava cerca de quatro horas e convidava o público a um grande cortejo pelas ruas da cidade numa revolução não violenta. Devido as tensões políticas do país desde maio, a prefeitura de Avignon junto a direção do festival pediu que a peça fosse retirada de cartaz e substituída por outra do repertório do Living. Julian Beck propôs uma mudança no final do espetáculo mas a direção do festival não estava disposta a se arriscar e não consentiu a apresentação, nesse momento com a imprensa já divulgando a polêmica, Julian declarou publicamente que, devido a proibição de Paradise Now, o grupo se retirava do festival. No dia primeiro de agosto a polícia francesa expulsou o Living Theatre do Liceu Mistral onde estavam alojados na temporada francesa. Depois deste episódio polêmico na França o grupo retorna aos Estados Unidos e, contratados pela Radical Theatre Repertory, uma produtora de grupos independentes, faz uma turnê pelo país com Paradise Now, que é bem recebido pelos jovens, que lutavam em passeatas e grandes eventos culturais como o Woodstock pelo fim da guerra do Vietnã. Em 1969, o grupo retorna à Europa. Em 1970, como entre as propostas anarquista do Living estava o fim das instituições, o grupo também se desfaz. Parte do grupo fica em Paris, começa uma pesquisa baseada no autor austríaco Leopold Von Sacher-Masoch, sobre seus contos, para uma série de peças breves com o nome O Legado de Caim. A idéia era apresentar um espetáculo itinerante nas ruas de Paris e provocar o público a fazer sua própria revolução. È neste momento que recebem o convite a conhecer o Brasil, convite feito por dois homens de teatro brasileiros engajados na vanguarda teatral e nas revoluções culturais da época, José Celso Martinez Correa e Renato Borghi, ambos do teatro Oficina de São Paulo, grupo reconhecido por suas inovações e temáticas políticas contestatórias. Acreditando em sua missão anarquista pacifista, o Living Theatre viu no Brasil, um país que vivia em plena ditadura militar, o chamado à sua missão anarquista pacifista, queriam ajudar os artista brasileiros na sua luta pela libertação. No Brasil, o Teatro Oficina os recebe, e juntos eles também um grupo argentino , Los Lobos, mas por divergências de ideologias não conseguem efetuar um trabalho em parceria. O Living Theatre era um grupo multinacional de filosofia anarquista enquanto o Oficina trazia conceitos ufanistas, deste modo o processo de construção de um espetáculo conjunto acabou não vingando. A alternativa encontrada pelo Living Theatre foi ir de encontro ao povo, e assim subiram a favela do Buraco Quente de São Paulo, lá encontram seus habitantes e começaram um reconhecimento da realidade dos pobres no Brasil. Desenvolveram junto a comunidade da favela uma perfomance cênica onde as palavras não eram necessárias, mas um roteiro de ações propunham degraus onde a cada subida culminava numa libertação. Além deste trabalho, eles desenvolveram também séries de workshops com atores do Oficina e de Los Lobos, que culminou numa apresentação na cidade de Embu, em 30 de dezembro de 1970 com o título “Rituais e visões de transformação”. Em 1971, eles tomam conhecimento do Festival de Inverno de Ouro Preto, acontecimento cultural de grande repercussão em todo Brasil, e decidem sua jornada. Desde 1968, Ouro Preto trazia à seu Festival de Inverno vários artistas importantes pra ministrar oficinas e apresentar espetáculos, shows, exposições, o que fazia da cidade por semanas um ponto de encontro de pessoas de várias filosofias, tendências, países e posturas políticas. Pensando neste momento de efervescência da cidade o Living se muda para Ouro Preto e são ciceroneados pelo então ex-ator do Oficina, Paulo Augusto, que tinha família e casa na cidade. Paulo Augusto os apresenta a comunidade, eles fundam residência num casarão no bairro da Barra, local onde hoje vemos um armazém de frutas. Como de costume, o Living Theatre se envolve por completo com a cidade, dando aulas teatro pra crianças filhas de operários na Escola Elementar Américo Giannetti, do bairro Saramenha, e também aulas de yoga aos adultos que os procurassem. Julian Beck fazia de seu escritórwww.yahooio o restaurante Calabouço, na rua Direita, lá ele encontrava com os intelectuais da cidade e os visitantes que o procurassem. Junto com as atividades com a comunidade, Judith Malina, Julian Beck e seu grupo ainda alimentavam a idéia do espetáculo O Legado de Caim, que teria como cenário uma cidade secular, barroca e católica. Muitos ensaios e perfomances haviam sido realizadas com o objetivo da construção do espetáculo, mas é nas vésperas de sua apresentação, que não tinha sido confirmada pelo Festival de Inverno, que o Dops alegando flagrante, detém o grupo por porte de drogas. A partir deste momento todos os holofotes são voltados para o grupo, especialmente para seus líderes, Judith Malina e Julian Beck, imprensa nacional e internacional comentam cada momento dos dias que se passam com o grupo. A comunidade católica de Ouro Preto, representada pela pessoa do padre Simões se pronuncia contra a estadia do grupo na cidade, alegando que eles atentavam a moral e a família, e muitas mães após a prisão do grupo se preocupam com o que acontecia com seus filhos, alunos da escola de Saramenha. Mandados pra um presídio em Belo Horizonte, Julian e Judith tem de deixar sua filha Sasha, de até então quatro anos, aos cuidados de uma vizinha, Joana da Costa Torres, senhora que tivemos a oportunidade de entrevistar pra esta pesquisa. Através da intervenção da imprensa internacional, várias celebridades mundiais se envolvem com o caso, nomes como John Lennon, Yoko Ono, Marlon Brando, e o próprio prefeito da cidade de Nova York, John Lindsay, assinam uma carta pedindo a liberdade do grupo, o que faz com que o presidente Médici assine um decreto expulsando os integrantes do Living Theatre do Brasil por inspirarem (conforme sua interpretação dos fatos) uma campanha difamatória do país. A vivencia da detenção no Brasil durante a ditadura militar repercute no espetáculo do grupo intitulado Sete meditações sobre o sadomasoquismo político, peça que retrata cenas vividas ou ouvidas durante a prisão pelo Dops, e que faria parte de uma montagem maior , O Legado de Caim . Em 1985, morre Julian Beck, e em 1993, no 25º Festival de Inverno da UFMG em Ouro Preto, 22 anos após sua expulsão, Judith Malina retorna a Ouro Preto como homenageada e ministra, junto de seus companheiros de trabalho Hanon Reznikov e Ilion Troya a oficina Teatro vivo – os instrumentos dos atores/a mensagem dos atores. Ainda hoje pra muitos cidadãos de Ouro Preto há uma neblina em volta deste episódio polêmico. Muito silêncio houve no Brasil durante a ditadura, muitos fatos se perderam junto a testemunhas que hoje não estão mais entre nós. Mesmo tendo fontes escritas na época, estas também eram comprometidas com a repressão que o regime militar exercia sobre todos. Mesmo Judith Malina , em seu diário do arquivo do Dops, teve que omitir relatos de torturas que presenciou por medo de represália aos seus amigos que continuariam no Brasil. É de suma importância o resgate da memória dessa passagem de artista extremamente engajados política e filosoficamente por Ouro Preto, para que possamos entender melhor como e o porque de sua escolhas e quais os reflexos e heranças de sua passagem “ativista” por Ouro Preto e pelo Brasil. O Living Theatre assim como seu nome propõe ainda é vivo como grupo teatral, apresentando novos espetáculos e workshops pelo mundo,tem sua sede em Nova York, com direção de Judith Malina. Espera-se o retorno de Judith Malina para o ano de 2011, no Fórum das Letras. Este texto faz parte de meu relatório de Iniciação Cientifica, para a pesquisa ARTISTAS VIAJANTES ESTRANGEIROS NO BRASIL. HISTÓRIAS E CONEXÕES DO DRAMA MODERNO. da professora Orientadora: Alessandra Vannucci pesquisa da qual sou seu colaborador

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

sábado, 15 de janeiro de 2011

foto de Patricia Furtado de Mendonça, retirada do renatacaldas.wordpress.com

Encontro de Aderbal Freire Filho e Eugenio Barba

Henrique Manoel Silva de Oliveira Matrícula: 08.2.5001 Através do Teatro Poeira no Rio de Janeiro, pelo Projeto Puente que acontece desde 2006, pude, por três dias, estar perto do diretor e teórico que mais tenho lido nos últimos meses, Eugenio Barba. Mestre fundador do grupo Odin Teatret e do ISTA (Intermational School of Theatre Antropology), Barba escreveu entre outros livros, A Canoa de Papel, Além das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator, onde relata suas experiências e pesquisas sobre a direção teatral, o teatro como troca, o teatro como realização espiritual. O evento se deu através de um Seminário de Cruzamentos de Dramaturgias, onde Eugenio Barba encontrou seu já amigo de outras estações, Aderbal Freire Filho, criador do Centro de Demolição de Construção do Espetáculo, Sediado no Teatro Gláucio Gill, no Rio de Janeiro. O objetivo do seminário foi a troca de experiências, não só no âmbito da dramaturgia, mas nos processos de construções de personagens e cenas, iniciando as atividades pelas manhãs as 9:30h, com Eugenio Barba ensaiando com Julia Varley. Nesses ensaios tivemos a oportunidade de ver várias técnicas aplicadas pelos dois grandes artistas, Barba como diretor encenador, e Varley como atriz criadora. As 14:30 às 18h Aderbal ensaiou com seus atores, Raquel Iantas, Isio Ghelman, Candido Damm e Gilray Coutinho. No ensaio Aderbal mostrou um exercício de criação onde através de uma crônica literária se construía uma cena, com elementos épicos, modificando o mínimo possível o texto original. Como não pude comparecer na terça feira pela manhã, momento que se iniciou o seminário, me atenho ao que pude presenciar, não de modo descritivo contando passo a passo do seminário, mas escrevo sobre o que me marcou mais neste encontro, como frases fortes que consegui anotar rapidamente com medo de perder o que estava acontecendo, lembranças de ações e mesmo reflexões dos artistas e expectadores presentes e impressões sobre os processos finais. Começo pela terça feira a tarde , primeiro de dezembro, com o ensaio, ou melhor, a mostra de processo de Aderbal Freire Filho e seus atores.Ainda me era desconhecido o trabalho de Aderbal, somente após minha volta do Rio à Ouro Preto, pude conhecer um pouco mais do seu trabalho e descobri que ele era o diretor de Hamlet interpretado por Wagner Moura. De um modo muito simpático e elegante, Aderbal nos explicou como se daria os experimentos e um pouco de sua paixão pela palavra. O teatro, que em muitos momentos foge a palavra literária, temendo uma submissão as letras, também corre o risco, de ao contrário, submeter a palavra a um segundo plano, o que para Aderbal é um triste erro, segundo suas palavras no seminário, “ não é a palavra que determina um teatro literário, é possível fazer um teatro verboroso sem matar a palavra”. Aderbal pretende trabalhar entre fronteiras, narrativo e dramático, ator e personagem, compromisso e descompromisso, presente e passado, primeira pessoa e terceira pessoa. Para ele o teatro assim com a poesia e o jogo tem o poder de ir além da realidade, tem o poder da ilusão, e é jogando com o espectador , que compra a idéia do ator, que o sonho se cria. Aderbal: “O teatro como jogo da ilusão, provocando o público a sonhar, trabalhando com o artificial, com o falso”. “Teatro que se monta na imaginação do espectador, onde tudo é possível, se o espetáculo estimula a imaginação do espectador”. Com o texto Sinais interiores de riqueza, de Antônio Lobo Antunes, escritor português, Aderbal demonstra sua teoria do romance em cena. O objetivo não é adaptar o texto narrativo em texto dramático, mas utilizar do jogo que o ator pode construir para ser o narrador e o próprio personagem narrado. Como ter um Vitor Hugo em cena nos contando que em 25 dezembro, ele próprio, Vitor Hugo, diz: Sou um homem que pensa em outras coisas. Foi proposto ao ator Isio Ghelman que entrasse no palco, ainda como ator, e procurasse construir um espaço na nossa imaginação que nos mostrasse o primeiro personagem do texto, Vitor Hugo, mostrasse através de ações que ele se transformava em Vitor Hugo e o tempo e lugar eram outros, para isso Aderbal pede a Isio que improvise. Observação: todos os atores já tinham decorado o texto antes do seminário, para facilitar o processo. A idéia principal de Aderbal é o discurso em terceira pessoa e a ação em primeira pessoa, confundir o passado e presente, o drama e a narração. Aproveitar as possibilidades poéticas do teatro para potencializar o trabalho do ator, este pode ser vários personagens e vários lugares e datas diferentes e esses lugares, datas e personagens podem interagir num mesmo lugar e momento que é o palco. O modo de direção de Aderbal é generoso ao mesmo tempo em que é conciso. Ele busca extrair todas as possibilidades que o ator trás para juntos criarem uma cena, para ele não se deve trabalhar com oposição : “Por oposição não se constrói nada, no lugar de dizer NÂO É ASSIM QUE SE FAZ, deve -se propor outra maneira de fazer”. O trabalho acontece através de ações, de propostas experimentadas no corpo e no palco, somente caminhando pode se chegar a algum lugar, mesmo que errado para depois voltar, é preciso sair do lugar inicial. Dentro desta busca por caminhos, Aderbal se preocupa em não se render as soluções, para ele o que em um momento pode se apresentar como um problema, como um objeto aparentemente descontextualizado, mais a frente pode ser a solução para outra cena : “Não deve-se procurar uma solução, o bom é o problema, o problema te permite conhecer mais, ele se torna um caminho”. Mas isso não significa se apegar a tudo que se descobre nos processos de criação. Em alguns momentos deve-se abandonar elementos que pareciam essenciais para depois se readaptá-los ou não a cena: “Uma coisa se perde e outras se ganham, sempre.” Nesta busca das margens entre passado e presente, primeira e terceira pessoa, narrador e personagem, Aderbal procura no ator um corpo neutro, e como um caricaturista procura delinear traços marcantes dos personagens, para depois que ele procure subjetividades mais profundas. Essa segunda etapa seria o refinamento do trabalho, onde os personagens mostram seus corpos, suas tenções, seus diálogos internos, tudo o que trará mais verdade aos atores e por conseqüência maior encantamento do público. Em muitos momentos a forma de Aderbal Freire Filho conduzir seus atores se comunica com a de Eugenio Barba, mas cada um tem um modo totalmente distinto de trabalho, o que nos faz pensar que não existe uma formula exata de se dirigir, porém existem técnicas que auxiliam o fazer teatral e compartilhar estes conhecimentos proporciona além da perpetuação, novas perguntas sobre o trabalho de direção e atuação. Passarei agora as minhas anotações, impressões e lembranças sobre a apresentação do trabalho de Eugenio Barba e sua atriz Julia Varley. Eugenio Barba é um homem que com certeza aparenta ter menos idade do que realmente tem. Dono de um magnetismo silencioso tem uma voz firme, o olhar aguçado de uma águia e o rigor de um samurai, não foram somente uma ou duas pessoas que não puderam entrar após o horário marcado ao início do seminário. Barba nos conta que seu primeiro contato com o Brasil foi através de um embaixador que o presenteou com o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Ele nos conta que ficou maravilhado com a riqueza de detalhes sobre o sertão brasileiro e seu povo descritos no livro, daí nascia um grande interesse em conhecer o Brasil e seu teatro, nada mais justo, já que seu trabalho como pesquisador tem como principal foco a antropologia teatral, que é o estudo do comportamento do ser humano quando ele usa a presença física e mental numa situação organizada de representação. Barba procurou culturas folclóricas e religiosas brasileiras, entre elas o Candomblé e suas danças, para acrescentar sua pesquisa. O trabalho de Barba e seus atores, nessa oportunidade Julia Varley, é colaborativo. Barba procura um tema que ele e seus atores queiram contar, após escolhido o tema, pede ao ator que improvise, por mais ou menos 2 horas, enquanto observa em silêncio. Várias energias, ritmos, vozes, imagens são exploradas, onde o ator procura sair de seu movimentos e raciocínios cotidianos, expressando através de seu corpo e voz pelo espaço. Nesta pesquisa prática muitas formas nascem de uma inteligência corporal, inconsciente, que tem a força de uma pré-expressividade, tema muito analisado nas pesquisas do ISTA, a pré-expressividade seriam códigos que falam à uma memória sensorial, através de imagens unidas a um tônus corporal, ou sats como é referido no oriente, uma energia física do ator que comunica ao espectador pelo seu corpo em estado de presença e alerta. Segundo Barba: “Existem meios expressivos que se dominam e os que não se dominam. A memória sensorial das ações físicas são mais comunicativas que as palavras”. Após esse tempo de pesquisa do ator com seu corpo, Barba pede que o ator repasse a improvisação lhe auxiliando a lembrar movimentos, ritmos, sons, vozes, falas, até que uma pequena partitura seja construída. Tendo construído esta partitura chega o momento de repartir em vários pedaços, pra trabalhar os ritmos possíveis, entender as imagens que as ações sugestionam, fazendo de modo mais calmo e preciso, como num kata, ( segmentos de movimentos de Karatê codificados que devem ser executados com precisão e esmero). Barba sugere algumas imagens para contribuir à imaginação do ator, como uma imagem de uma flor de lótus iluminada por raios de sol que desabrocha, por exemplo. Estas imagens auxiliam na procura por uma precisão dos movimentos que antes tinhas se dado de modo caótico. Barba : “A precisão se dá pela necessidade das ações na cena, elas não devem nem sem ser anorexias nem obesas, elas devem ter o peso exato que se pede delas.” Barba acredita que assim como cada exercício tem seu próprio ritmo, cada ator tem seu próprio tempo, e os exercícios aplicados em seus ensaios servem como disciplina para as atividades físicas, o treinamento sempre constitui um choque entre disciplina e superação da forma fixa. Através dessa disciplina, que requer treinamento de várias horas por dia , o ator adquiri um poder de percepção aguçado sobre seu corpo/voz ( pensando que a voz é uma extensão do corpo) que lhe permite uma maior liberdade de escolha sobre como expressar o que deseja. Barba: “Liberdade é poder escolher e ter capacidade de realizar o que escolheu”. Estas percepções aguçadas, superações das formas fixas, maior possibilidades de escolhas, permitem uma maior precisão nas composições executadas. E nessa precisão o ator amplia sua comunicação à seus receptores, pois alcança a fé cênica, isso é, seu corpo, alma e espírito estão em conexão direta com o quer contar. Barba: “Precisão é tudo aquilo que é necessário, imprescindível para se realizar algo, como um cirurgião que deve executar o corte de uma certa maneira para o sucesso da operação. O ritmo é a verdadeira pulsação que leva, que transforma o ator, a forma e a precisão são castradoras, mas ao mesmo tempo propulsoras”. Segundo relato Julia Varley, as técnicas de improvisação lhe permitem construir uma espécie de anatomia da cena e o pensamento pós improvisação seria o que dá forma a cena. Julia : “No começo eu penso a imagem e a procuro no meu corpo e voz, depois que ela esta pensada preciso da imagem pra repetir o que fiz, até ela se transformar em algo novo”. Com a construção de várias cenas passa-se ao trabalho de edição, que segundo Barba e Julia se assemelham ao cinema de stop motion, onde várias imagens estáticas constroem uma história quando assistidas em seqüência. O ator cria várias imagens com seu corpo, como estátuas, e pelo olhar do diretor apuram essas imagens, lhes dando movimento até formarem seqüências que contam um história. O trabalho de Barba traz influências grandes do kathakali, teatro e dança indiana dos guerreiros, que buscam uma precisão cirúrgica da forma para execução da cena. Barba procura desenhar cada movimento dos membros, olhos, velocidades, pausas, isso pode aparentar uma tirania sobre o ator, mas ao contrário, essa busca é executada junto ao ator, pois toda construção se dá através do material oferecido por este. Barba assim como Aderbal, procura criar obstáculos aos atores, para que saiam da zona de conforto, um possível movimento viciado, através desses obstáculos ele procura trazer vários matizes para trabalhar o ritmo da cena. Após essa observações sobre o seminário finalizo com as palavras de Eugenio Barba, pois acredito que elas representem uma verdade diante das variantes possíveis no trabalho de direção teatral, onde não existe uma verdade absoluta, mas a individualidade, a escuta interna e o olhar sobre o outro podem construir uma comunicação mais profunda e democrática, aberta a novos caminhos, experiências e realizações. “Cada um tem um caminho, eu nuca poderia fazer o que Stanislavsky fez, não que não possamos conhecer outros conceitos e práticas e utiliza-los, mas só conseguirei fazê-lo do meu jeito, assim como você deve procurar o seu jeito e o jeito dos seus atores”.