sábado, 15 de janeiro de 2011

foto de Patricia Furtado de Mendonça, retirada do renatacaldas.wordpress.com

Encontro de Aderbal Freire Filho e Eugenio Barba

Henrique Manoel Silva de Oliveira Matrícula: 08.2.5001 Através do Teatro Poeira no Rio de Janeiro, pelo Projeto Puente que acontece desde 2006, pude, por três dias, estar perto do diretor e teórico que mais tenho lido nos últimos meses, Eugenio Barba. Mestre fundador do grupo Odin Teatret e do ISTA (Intermational School of Theatre Antropology), Barba escreveu entre outros livros, A Canoa de Papel, Além das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator, onde relata suas experiências e pesquisas sobre a direção teatral, o teatro como troca, o teatro como realização espiritual. O evento se deu através de um Seminário de Cruzamentos de Dramaturgias, onde Eugenio Barba encontrou seu já amigo de outras estações, Aderbal Freire Filho, criador do Centro de Demolição de Construção do Espetáculo, Sediado no Teatro Gláucio Gill, no Rio de Janeiro. O objetivo do seminário foi a troca de experiências, não só no âmbito da dramaturgia, mas nos processos de construções de personagens e cenas, iniciando as atividades pelas manhãs as 9:30h, com Eugenio Barba ensaiando com Julia Varley. Nesses ensaios tivemos a oportunidade de ver várias técnicas aplicadas pelos dois grandes artistas, Barba como diretor encenador, e Varley como atriz criadora. As 14:30 às 18h Aderbal ensaiou com seus atores, Raquel Iantas, Isio Ghelman, Candido Damm e Gilray Coutinho. No ensaio Aderbal mostrou um exercício de criação onde através de uma crônica literária se construía uma cena, com elementos épicos, modificando o mínimo possível o texto original. Como não pude comparecer na terça feira pela manhã, momento que se iniciou o seminário, me atenho ao que pude presenciar, não de modo descritivo contando passo a passo do seminário, mas escrevo sobre o que me marcou mais neste encontro, como frases fortes que consegui anotar rapidamente com medo de perder o que estava acontecendo, lembranças de ações e mesmo reflexões dos artistas e expectadores presentes e impressões sobre os processos finais. Começo pela terça feira a tarde , primeiro de dezembro, com o ensaio, ou melhor, a mostra de processo de Aderbal Freire Filho e seus atores.Ainda me era desconhecido o trabalho de Aderbal, somente após minha volta do Rio à Ouro Preto, pude conhecer um pouco mais do seu trabalho e descobri que ele era o diretor de Hamlet interpretado por Wagner Moura. De um modo muito simpático e elegante, Aderbal nos explicou como se daria os experimentos e um pouco de sua paixão pela palavra. O teatro, que em muitos momentos foge a palavra literária, temendo uma submissão as letras, também corre o risco, de ao contrário, submeter a palavra a um segundo plano, o que para Aderbal é um triste erro, segundo suas palavras no seminário, “ não é a palavra que determina um teatro literário, é possível fazer um teatro verboroso sem matar a palavra”. Aderbal pretende trabalhar entre fronteiras, narrativo e dramático, ator e personagem, compromisso e descompromisso, presente e passado, primeira pessoa e terceira pessoa. Para ele o teatro assim com a poesia e o jogo tem o poder de ir além da realidade, tem o poder da ilusão, e é jogando com o espectador , que compra a idéia do ator, que o sonho se cria. Aderbal: “O teatro como jogo da ilusão, provocando o público a sonhar, trabalhando com o artificial, com o falso”. “Teatro que se monta na imaginação do espectador, onde tudo é possível, se o espetáculo estimula a imaginação do espectador”. Com o texto Sinais interiores de riqueza, de Antônio Lobo Antunes, escritor português, Aderbal demonstra sua teoria do romance em cena. O objetivo não é adaptar o texto narrativo em texto dramático, mas utilizar do jogo que o ator pode construir para ser o narrador e o próprio personagem narrado. Como ter um Vitor Hugo em cena nos contando que em 25 dezembro, ele próprio, Vitor Hugo, diz: Sou um homem que pensa em outras coisas. Foi proposto ao ator Isio Ghelman que entrasse no palco, ainda como ator, e procurasse construir um espaço na nossa imaginação que nos mostrasse o primeiro personagem do texto, Vitor Hugo, mostrasse através de ações que ele se transformava em Vitor Hugo e o tempo e lugar eram outros, para isso Aderbal pede a Isio que improvise. Observação: todos os atores já tinham decorado o texto antes do seminário, para facilitar o processo. A idéia principal de Aderbal é o discurso em terceira pessoa e a ação em primeira pessoa, confundir o passado e presente, o drama e a narração. Aproveitar as possibilidades poéticas do teatro para potencializar o trabalho do ator, este pode ser vários personagens e vários lugares e datas diferentes e esses lugares, datas e personagens podem interagir num mesmo lugar e momento que é o palco. O modo de direção de Aderbal é generoso ao mesmo tempo em que é conciso. Ele busca extrair todas as possibilidades que o ator trás para juntos criarem uma cena, para ele não se deve trabalhar com oposição : “Por oposição não se constrói nada, no lugar de dizer NÂO É ASSIM QUE SE FAZ, deve -se propor outra maneira de fazer”. O trabalho acontece através de ações, de propostas experimentadas no corpo e no palco, somente caminhando pode se chegar a algum lugar, mesmo que errado para depois voltar, é preciso sair do lugar inicial. Dentro desta busca por caminhos, Aderbal se preocupa em não se render as soluções, para ele o que em um momento pode se apresentar como um problema, como um objeto aparentemente descontextualizado, mais a frente pode ser a solução para outra cena : “Não deve-se procurar uma solução, o bom é o problema, o problema te permite conhecer mais, ele se torna um caminho”. Mas isso não significa se apegar a tudo que se descobre nos processos de criação. Em alguns momentos deve-se abandonar elementos que pareciam essenciais para depois se readaptá-los ou não a cena: “Uma coisa se perde e outras se ganham, sempre.” Nesta busca das margens entre passado e presente, primeira e terceira pessoa, narrador e personagem, Aderbal procura no ator um corpo neutro, e como um caricaturista procura delinear traços marcantes dos personagens, para depois que ele procure subjetividades mais profundas. Essa segunda etapa seria o refinamento do trabalho, onde os personagens mostram seus corpos, suas tenções, seus diálogos internos, tudo o que trará mais verdade aos atores e por conseqüência maior encantamento do público. Em muitos momentos a forma de Aderbal Freire Filho conduzir seus atores se comunica com a de Eugenio Barba, mas cada um tem um modo totalmente distinto de trabalho, o que nos faz pensar que não existe uma formula exata de se dirigir, porém existem técnicas que auxiliam o fazer teatral e compartilhar estes conhecimentos proporciona além da perpetuação, novas perguntas sobre o trabalho de direção e atuação. Passarei agora as minhas anotações, impressões e lembranças sobre a apresentação do trabalho de Eugenio Barba e sua atriz Julia Varley. Eugenio Barba é um homem que com certeza aparenta ter menos idade do que realmente tem. Dono de um magnetismo silencioso tem uma voz firme, o olhar aguçado de uma águia e o rigor de um samurai, não foram somente uma ou duas pessoas que não puderam entrar após o horário marcado ao início do seminário. Barba nos conta que seu primeiro contato com o Brasil foi através de um embaixador que o presenteou com o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Ele nos conta que ficou maravilhado com a riqueza de detalhes sobre o sertão brasileiro e seu povo descritos no livro, daí nascia um grande interesse em conhecer o Brasil e seu teatro, nada mais justo, já que seu trabalho como pesquisador tem como principal foco a antropologia teatral, que é o estudo do comportamento do ser humano quando ele usa a presença física e mental numa situação organizada de representação. Barba procurou culturas folclóricas e religiosas brasileiras, entre elas o Candomblé e suas danças, para acrescentar sua pesquisa. O trabalho de Barba e seus atores, nessa oportunidade Julia Varley, é colaborativo. Barba procura um tema que ele e seus atores queiram contar, após escolhido o tema, pede ao ator que improvise, por mais ou menos 2 horas, enquanto observa em silêncio. Várias energias, ritmos, vozes, imagens são exploradas, onde o ator procura sair de seu movimentos e raciocínios cotidianos, expressando através de seu corpo e voz pelo espaço. Nesta pesquisa prática muitas formas nascem de uma inteligência corporal, inconsciente, que tem a força de uma pré-expressividade, tema muito analisado nas pesquisas do ISTA, a pré-expressividade seriam códigos que falam à uma memória sensorial, através de imagens unidas a um tônus corporal, ou sats como é referido no oriente, uma energia física do ator que comunica ao espectador pelo seu corpo em estado de presença e alerta. Segundo Barba: “Existem meios expressivos que se dominam e os que não se dominam. A memória sensorial das ações físicas são mais comunicativas que as palavras”. Após esse tempo de pesquisa do ator com seu corpo, Barba pede que o ator repasse a improvisação lhe auxiliando a lembrar movimentos, ritmos, sons, vozes, falas, até que uma pequena partitura seja construída. Tendo construído esta partitura chega o momento de repartir em vários pedaços, pra trabalhar os ritmos possíveis, entender as imagens que as ações sugestionam, fazendo de modo mais calmo e preciso, como num kata, ( segmentos de movimentos de Karatê codificados que devem ser executados com precisão e esmero). Barba sugere algumas imagens para contribuir à imaginação do ator, como uma imagem de uma flor de lótus iluminada por raios de sol que desabrocha, por exemplo. Estas imagens auxiliam na procura por uma precisão dos movimentos que antes tinhas se dado de modo caótico. Barba : “A precisão se dá pela necessidade das ações na cena, elas não devem nem sem ser anorexias nem obesas, elas devem ter o peso exato que se pede delas.” Barba acredita que assim como cada exercício tem seu próprio ritmo, cada ator tem seu próprio tempo, e os exercícios aplicados em seus ensaios servem como disciplina para as atividades físicas, o treinamento sempre constitui um choque entre disciplina e superação da forma fixa. Através dessa disciplina, que requer treinamento de várias horas por dia , o ator adquiri um poder de percepção aguçado sobre seu corpo/voz ( pensando que a voz é uma extensão do corpo) que lhe permite uma maior liberdade de escolha sobre como expressar o que deseja. Barba: “Liberdade é poder escolher e ter capacidade de realizar o que escolheu”. Estas percepções aguçadas, superações das formas fixas, maior possibilidades de escolhas, permitem uma maior precisão nas composições executadas. E nessa precisão o ator amplia sua comunicação à seus receptores, pois alcança a fé cênica, isso é, seu corpo, alma e espírito estão em conexão direta com o quer contar. Barba: “Precisão é tudo aquilo que é necessário, imprescindível para se realizar algo, como um cirurgião que deve executar o corte de uma certa maneira para o sucesso da operação. O ritmo é a verdadeira pulsação que leva, que transforma o ator, a forma e a precisão são castradoras, mas ao mesmo tempo propulsoras”. Segundo relato Julia Varley, as técnicas de improvisação lhe permitem construir uma espécie de anatomia da cena e o pensamento pós improvisação seria o que dá forma a cena. Julia : “No começo eu penso a imagem e a procuro no meu corpo e voz, depois que ela esta pensada preciso da imagem pra repetir o que fiz, até ela se transformar em algo novo”. Com a construção de várias cenas passa-se ao trabalho de edição, que segundo Barba e Julia se assemelham ao cinema de stop motion, onde várias imagens estáticas constroem uma história quando assistidas em seqüência. O ator cria várias imagens com seu corpo, como estátuas, e pelo olhar do diretor apuram essas imagens, lhes dando movimento até formarem seqüências que contam um história. O trabalho de Barba traz influências grandes do kathakali, teatro e dança indiana dos guerreiros, que buscam uma precisão cirúrgica da forma para execução da cena. Barba procura desenhar cada movimento dos membros, olhos, velocidades, pausas, isso pode aparentar uma tirania sobre o ator, mas ao contrário, essa busca é executada junto ao ator, pois toda construção se dá através do material oferecido por este. Barba assim como Aderbal, procura criar obstáculos aos atores, para que saiam da zona de conforto, um possível movimento viciado, através desses obstáculos ele procura trazer vários matizes para trabalhar o ritmo da cena. Após essa observações sobre o seminário finalizo com as palavras de Eugenio Barba, pois acredito que elas representem uma verdade diante das variantes possíveis no trabalho de direção teatral, onde não existe uma verdade absoluta, mas a individualidade, a escuta interna e o olhar sobre o outro podem construir uma comunicação mais profunda e democrática, aberta a novos caminhos, experiências e realizações. “Cada um tem um caminho, eu nuca poderia fazer o que Stanislavsky fez, não que não possamos conhecer outros conceitos e práticas e utiliza-los, mas só conseguirei fazê-lo do meu jeito, assim como você deve procurar o seu jeito e o jeito dos seus atores”.