quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Living Theatre

O Living Theatre é de um dos grupos teatrais de maior importância do século XX e XXI, sendo ainda capaz de grande impacto tanto por sua militância política como por suas pesquisas de vanguarda nas formas de encenação mundial. Confundindo teatro com a vida, o grupo teria/tem como objetivo a libertação política e a revolução de consciência através da arte. Fundado nos Estados Unidos da América após a segunda guerra mundial por Judith Malina e Julian Beck, contemporâneos da geração dos poetas beatnicks, em plena contra-cultura, The Living Theatre (O Teatro Vivo) trazia um conceito de revolução, sua preocupação não era o produto teatral como entretimento mas como reflexão da condição do indivíduo. Comprometidos ideologicamente, anarquistas e ativistas, atendendo o pedido dos artistas brasileiros José Celso Martinez Correa e Renato Borghi, vieram ao Brasil em plena ditadura de Emílio Garrastazu Médici, o que lhes acabou custando a detenção pelo Dops e a expulsão do Brasil. Já em seu início, o Living Theatre nadava contra a maré. Em Nova York, numa cultura de grandes espetáculos da Broadway, onde os investimentos se preocupavam com o sucesso de bilheteria, Judith Malina e Julian Beck fundam um teatro no seu pequeno apartamento no número 789 da West End Avenue. Sem a idéia de quarta parede o grupo rompendo com o convencional, apresentam uma série de textos poéticos e dramaturgias de Bertold Brecht e Garcia Lorca. O Living Theatre passou a ser um ponto de encontro de muitas atividades artísticas, ao seu redor se reuniam poetas, músicos, pintores, dramaturgos, críticos e mecenas. Sua proposta teatral reúne a comunidade artística, questionando e fomentando novos valores pautados a liberdade de pensamento, sexualidade e pacifismo Intervenções como o a Greve Geral pela Paz, pedindo o cessar de treinamentos antibombardeio, que o governo americano da década de 1960 submetia sua população e que os manifestantes consideravam um “terrorismo de Estado”, submetendo aos cidadãos ao um constante estado de medo e vigília. O grupo se mudou várias vezes de espaços, mas junto de si levavam a ideologia anti-capitalista, procurando realizar uma gestão coletiva, recebiam por bilheteria, o que as vezes era nada. Os atores moravam nos próprios teatros. Montavam espetáculos com apena 35 dólares (An evening of bohemian), realizando cenários com papel de embrulho colado e figurinos de trapos. Essa filosofia de entrega ao teatro como um estilo de vida se refletiria na trajetória do Living e seria reproduzida no Brasil, especialmente em Ouro Preto, onde alugariam uma pequena casa para suas atividades e nela viveriam numa forma comunitária e anarquista, dividindo recursos e obrigações, desenvolvendo atividades culturais na comunidade e assimilando a cultura. Nos Estados Unidos o Living vivenciou sua entrega a revolução cultural do pós-segunda guerra mundial com espetáculos e intervenções políticas que provocaram prisões e o exílio voluntário do país. A repercussão na mídia e no universo intelectual fomentava ainda mais o debate por eles proposto. Mas foi através de Paradise Now , em agosto de 1968, no Festival de Avignon, na França, que seu grito revolucionário ecoou mundialmente. O espetáculo, sem uso de figurino ou cenário, convidava a platéia a uma imersão junto do ator, num rito a barreira entre o ver e fazer teatral era quebrada. O espetáculo durava cerca de quatro horas e convidava o público a um grande cortejo pelas ruas da cidade numa revolução não violenta. Devido as tensões políticas do país desde maio, a prefeitura de Avignon junto a direção do festival pediu que a peça fosse retirada de cartaz e substituída por outra do repertório do Living. Julian Beck propôs uma mudança no final do espetáculo mas a direção do festival não estava disposta a se arriscar e não consentiu a apresentação, nesse momento com a imprensa já divulgando a polêmica, Julian declarou publicamente que, devido a proibição de Paradise Now, o grupo se retirava do festival. No dia primeiro de agosto a polícia francesa expulsou o Living Theatre do Liceu Mistral onde estavam alojados na temporada francesa. Depois deste episódio polêmico na França o grupo retorna aos Estados Unidos e, contratados pela Radical Theatre Repertory, uma produtora de grupos independentes, faz uma turnê pelo país com Paradise Now, que é bem recebido pelos jovens, que lutavam em passeatas e grandes eventos culturais como o Woodstock pelo fim da guerra do Vietnã. Em 1969, o grupo retorna à Europa. Em 1970, como entre as propostas anarquista do Living estava o fim das instituições, o grupo também se desfaz. Parte do grupo fica em Paris, começa uma pesquisa baseada no autor austríaco Leopold Von Sacher-Masoch, sobre seus contos, para uma série de peças breves com o nome O Legado de Caim. A idéia era apresentar um espetáculo itinerante nas ruas de Paris e provocar o público a fazer sua própria revolução. È neste momento que recebem o convite a conhecer o Brasil, convite feito por dois homens de teatro brasileiros engajados na vanguarda teatral e nas revoluções culturais da época, José Celso Martinez Correa e Renato Borghi, ambos do teatro Oficina de São Paulo, grupo reconhecido por suas inovações e temáticas políticas contestatórias. Acreditando em sua missão anarquista pacifista, o Living Theatre viu no Brasil, um país que vivia em plena ditadura militar, o chamado à sua missão anarquista pacifista, queriam ajudar os artista brasileiros na sua luta pela libertação. No Brasil, o Teatro Oficina os recebe, e juntos eles também um grupo argentino , Los Lobos, mas por divergências de ideologias não conseguem efetuar um trabalho em parceria. O Living Theatre era um grupo multinacional de filosofia anarquista enquanto o Oficina trazia conceitos ufanistas, deste modo o processo de construção de um espetáculo conjunto acabou não vingando. A alternativa encontrada pelo Living Theatre foi ir de encontro ao povo, e assim subiram a favela do Buraco Quente de São Paulo, lá encontram seus habitantes e começaram um reconhecimento da realidade dos pobres no Brasil. Desenvolveram junto a comunidade da favela uma perfomance cênica onde as palavras não eram necessárias, mas um roteiro de ações propunham degraus onde a cada subida culminava numa libertação. Além deste trabalho, eles desenvolveram também séries de workshops com atores do Oficina e de Los Lobos, que culminou numa apresentação na cidade de Embu, em 30 de dezembro de 1970 com o título “Rituais e visões de transformação”. Em 1971, eles tomam conhecimento do Festival de Inverno de Ouro Preto, acontecimento cultural de grande repercussão em todo Brasil, e decidem sua jornada. Desde 1968, Ouro Preto trazia à seu Festival de Inverno vários artistas importantes pra ministrar oficinas e apresentar espetáculos, shows, exposições, o que fazia da cidade por semanas um ponto de encontro de pessoas de várias filosofias, tendências, países e posturas políticas. Pensando neste momento de efervescência da cidade o Living se muda para Ouro Preto e são ciceroneados pelo então ex-ator do Oficina, Paulo Augusto, que tinha família e casa na cidade. Paulo Augusto os apresenta a comunidade, eles fundam residência num casarão no bairro da Barra, local onde hoje vemos um armazém de frutas. Como de costume, o Living Theatre se envolve por completo com a cidade, dando aulas teatro pra crianças filhas de operários na Escola Elementar Américo Giannetti, do bairro Saramenha, e também aulas de yoga aos adultos que os procurassem. Julian Beck fazia de seu escritórwww.yahooio o restaurante Calabouço, na rua Direita, lá ele encontrava com os intelectuais da cidade e os visitantes que o procurassem. Junto com as atividades com a comunidade, Judith Malina, Julian Beck e seu grupo ainda alimentavam a idéia do espetáculo O Legado de Caim, que teria como cenário uma cidade secular, barroca e católica. Muitos ensaios e perfomances haviam sido realizadas com o objetivo da construção do espetáculo, mas é nas vésperas de sua apresentação, que não tinha sido confirmada pelo Festival de Inverno, que o Dops alegando flagrante, detém o grupo por porte de drogas. A partir deste momento todos os holofotes são voltados para o grupo, especialmente para seus líderes, Judith Malina e Julian Beck, imprensa nacional e internacional comentam cada momento dos dias que se passam com o grupo. A comunidade católica de Ouro Preto, representada pela pessoa do padre Simões se pronuncia contra a estadia do grupo na cidade, alegando que eles atentavam a moral e a família, e muitas mães após a prisão do grupo se preocupam com o que acontecia com seus filhos, alunos da escola de Saramenha. Mandados pra um presídio em Belo Horizonte, Julian e Judith tem de deixar sua filha Sasha, de até então quatro anos, aos cuidados de uma vizinha, Joana da Costa Torres, senhora que tivemos a oportunidade de entrevistar pra esta pesquisa. Através da intervenção da imprensa internacional, várias celebridades mundiais se envolvem com o caso, nomes como John Lennon, Yoko Ono, Marlon Brando, e o próprio prefeito da cidade de Nova York, John Lindsay, assinam uma carta pedindo a liberdade do grupo, o que faz com que o presidente Médici assine um decreto expulsando os integrantes do Living Theatre do Brasil por inspirarem (conforme sua interpretação dos fatos) uma campanha difamatória do país. A vivencia da detenção no Brasil durante a ditadura militar repercute no espetáculo do grupo intitulado Sete meditações sobre o sadomasoquismo político, peça que retrata cenas vividas ou ouvidas durante a prisão pelo Dops, e que faria parte de uma montagem maior , O Legado de Caim . Em 1985, morre Julian Beck, e em 1993, no 25º Festival de Inverno da UFMG em Ouro Preto, 22 anos após sua expulsão, Judith Malina retorna a Ouro Preto como homenageada e ministra, junto de seus companheiros de trabalho Hanon Reznikov e Ilion Troya a oficina Teatro vivo – os instrumentos dos atores/a mensagem dos atores. Ainda hoje pra muitos cidadãos de Ouro Preto há uma neblina em volta deste episódio polêmico. Muito silêncio houve no Brasil durante a ditadura, muitos fatos se perderam junto a testemunhas que hoje não estão mais entre nós. Mesmo tendo fontes escritas na época, estas também eram comprometidas com a repressão que o regime militar exercia sobre todos. Mesmo Judith Malina , em seu diário do arquivo do Dops, teve que omitir relatos de torturas que presenciou por medo de represália aos seus amigos que continuariam no Brasil. É de suma importância o resgate da memória dessa passagem de artista extremamente engajados política e filosoficamente por Ouro Preto, para que possamos entender melhor como e o porque de sua escolhas e quais os reflexos e heranças de sua passagem “ativista” por Ouro Preto e pelo Brasil. O Living Theatre assim como seu nome propõe ainda é vivo como grupo teatral, apresentando novos espetáculos e workshops pelo mundo,tem sua sede em Nova York, com direção de Judith Malina. Espera-se o retorno de Judith Malina para o ano de 2011, no Fórum das Letras. Este texto faz parte de meu relatório de Iniciação Cientifica, para a pesquisa ARTISTAS VIAJANTES ESTRANGEIROS NO BRASIL. HISTÓRIAS E CONEXÕES DO DRAMA MODERNO. da professora Orientadora: Alessandra Vannucci pesquisa da qual sou seu colaborador